Descobrimento do Brasil

Preste João e as Viagens dos Descobrimentos
Uma procura pela verdadeira comunidade   

Rachael Shepherd  
Tradução: Celeste H. M. Ribeiro de Sousa
As histórias e as lendas que cercam o reino fabuloso e a personagem do Preste João estão ligadas às lendas do rei Artur e à Távola Redonda, a Parcival, à busca do Santo Graal e ao paraíso perdido de Shambala. Todas elas foram registradas, por escrito, entre os séculos X e XIII, à época do esplendor máximo dos ideais cavaleirescos na Europa. Também surgiram num tempo em que a Sacra Igreja Romana se transformara em força mundial mais em evidência na vida social e política da Europa.
 
Esses tempos também viram a instituição do ofício da "Santa" Inquisição e das cruzadas contra os Cátaros (o último desdobramento da religião de Maniqueu) que, durante a Idade Média tardia no sul da França, constituíram a única oposição verdadeira à Igreja de Roma.
 
À exceção da Igreja Católica Romana, os Cátaros eram os únicos a ostentar uma igreja organizada naquela época. E assim foi até serem exterminados pela espada e pela fogueira. Haveriam de morrer, não milhares, mas centenas de milhares, porque acreditavam de modo diferente. No começo do século XIV, os Cavaleiros do Templo haveriam de receber o mesmo tratamento.
 
Era difícil, então, tal como o é hoje, para os pobres e iletrados entender o imenso poderio e a crueldade crescente da Igreja Romana na Idade Média, considerando-se que esta enaltecia as virtudes da pobreza e da bondade. Era, portanto, compreensível que as histórias da busca do Graal, em que os cavaleiros são realmente bondosos, e os homens santos realmente santos, encontrassem ouvidos que as escutassem. Tanto para nobres, quanto para camponeses, era reconfortante e inspirador escutar os relatos sobre o reino maravilhoso do Preste João, em que a pobreza e o sofrimento haviam sido superados. E estas histórias continham algo mais do que simplesmente um conforto; havia nelas um certo grau de realidade. Mesmo hoje, um tímido eco eleva-se das profundezas de nossas almas que, de um modo sereno, quase imperceptível, diz: "sim, elas são verdadeiras" em relação a lugares como Shambala, o paraíso perdido ou o Logres do rei Artur. "Eles existem algures", esses reinos estranhos, míticos, como a Floresta de Brocelinde de Parcival, ou o reino do Preste João.
 
As histórias do reino do Preste João começaram a ser filtradas na Europa, trazidas do Próximo Oriente, pelos cruzados que retornavam. Eles davam notícias de um rei humilde e justo, dono de um imenso reino, em algum lugar do Oriente ou das Índias (Etiópia e outras regiões da África também eram chamadas de Índia pelos europeus da época).
 
Este rei de nome João também era um sacerdote de fé cristã - daqui o nome de "Preste João"1. Algumas das lendas apresentam Preste João como um dos descendentes dos magos que, de acordo com o Evangelho de Mateus, visitou o Cristo-Menino com presentes de ouro, incenso e mirra. Outras identificavam Preste João com João, o Evangelista, de quem Cristo dissera que não morreria até que Ele voltasse. Como Cristo ainda não retornara, este Preste João era, com certeza, João Evangelista, pois parecia imune à idade.
 
Dizia-se que sua corte era tão grande que ele era assistido por 72 reis, numerosos príncipes, bispos, duques e muitos outros nobres. A humildade de Preste João era tal que ele se via a si mesmo apenas como um servo de Cristo e, por isso, um servo da humanidade. Andava numa pequena mula, enquanto seus servos andavam em grandes cavalos. Para enfatizar sua piedade, escolheu o título de padre e, como já foi mencionado, era chamado de Preste João.
 
Deste ponto de vista, as histórias transferiram-se do âmbito da realidade física para o mundo do fantástico das bestas mágicas e das imagens estranhas. Dizia-se que a mesa de Preste João fora cortada de uma só esmeralda e apoiava-se em duas colunas de ametista, com lugar para 30.000 pessoas. Os mais poderosos e os de mais baixa procedência eram alimentados em condições de igualdade nesta grande mesa. Nesta terra não havia pobres e havia trabalho para todos. Também em sua corte, dizia-se, havia um espelho mágico em que o Preste João podia ver todos os cantos de suas 72 províncias. Seus mantos eram tecidos por salamandras (espíritos do fogo) e eram lavados pelo fogo.
 
Assim, havia muitos animais maravilhosos nesta terra, incluindo a primeira referência conhecida ao unicórnio. Na lenda do Preste João, o unicórnio e o leão estão em contínuo conflito. Está nesta lenda a origem da presença de um leão e de um unicórnio nos uniformes oficiais britânicos. Aí, eles já não estão em conflito, mas carregando ambos o escudo e as insígnias da Grã Bretanha. Quando Jaime VI da Escócia chegou ao trono inglês como Jaime I em 1603, redesenhou as armas reais recolocando o dragão vermelho de Gales com um unicórnio branco, proveniente as armas reais da Escócia, para segurar o escudo.
 
Contudo, a primeira menção oficial ao Preste João foi feita pelo historiador e bispo Otto de Freising dando notícia de um encontro que testemunhara entre o bispo Hugh de Jabala na Terra Santa e o Papa Eugênio III. Este encontro realizou-se em Viterbo na Itália central, em Novembro de 1145. O bispo Hugh estava à procura de apoio papal para a segunda cruzada. A ameaça muçulmana contra os estados cristãos na Terra Santa havia aumentado a tais proporções que nada, a não ser uma outra cruzada, poderia ajudar contra as forças opressivas que os pequenos grupos de cristãos, instalados no Próximo Oriente, enfrentavam A segunda cruzada realizou-se, mas foi um fiasco tão grande que os estados cristãos ficaram em situação ainda pior.
 
O bispo Hugh relatou ao Papa a conquista da cidade de Edessa pelos mouros e o compromisso geral dos cristãos no Oriente Próximo. Contou então a história de um padre-rei chamado João, um cristão que tinha feito guerra aos muçulmanos da cidade de Ecbatana. A cidade era defendida por forças medas, persas e assírias, mas a batalha de 3 dias viu o Preste João sair vitorioso. Depois disso, Preste João levou seu imenso exército para ajudar os cristãos em Jerusalém. Infelizmente o exército não encontrou jeito para atravessar o Tibre e, depois de alguns anos, Preste João foi forçado a voltar para casa. Parece que a principal razão que levou o bispo Hugh a contar esta história ao Papa era dissipar a idéia de que se poderia procurar ajuda em outros lugares, ou seja, junto a Preste João.
 
Este relato do bispo Otto de Freising mostra de modo implícito o quanto eram bem conhecidas as lendas do Preste João naqueles tempos. Historiadores modernos descobriram que a batalha descrita pelo bispo Hugh foi realmente travada e identificaram-na com a derrota de Sanjar, o turco seljucída governador da Pérsia, pelo exército do império de Kara-Kitai em 1141. O império mongol-chinês seguia uma mistura de cristianismo e de budismo, muito próxima do maniqueísmo. Era fácil ver então como os acontecimentos físicos e espirituais se interpenetravam. Outro relato oficial acerca do Preste João supõe-se proveniente de sua própria pena. Em 1165, uma carta escrita em latim endereçada ao imperador bizantino Manuel Comenus circulou pela Europa. Ronald Latham diz na sua introdução às Viagens de Marco Polo que "graças a esta carta que logo se tornou um best seller todo o europeu viajante no Oriente estava à procura do Preste João 'de cujo grande império todo o mundo fala' " (p.93). Nos anos e séculos que se seguiram, cópias e cópias desta carta foram encontradas por toda a Europa, cada uma contendo mais detalhes que a outra sobre homens e animais estranhos e assombrosos, embora a carta original, ela própria escrita provavelmente por Harbey o meio-irmão do rei Lalibela da Etiópia (cerca de 1200). Harbey e Lalibela não descendiam da linhagem salomônica mas pertenciam à dinastia dos usurpadores zagwes. Embora fantástica, e sem que se soubesse da razão que a levou a ser escrita, esta carta ainda inspiraria outras aventuras e outros sábios a procurar o reino de Preste João. Wolfram de Eschenbach na sua clássica história do Graal, intitulada Parcival, escrita por volta de 1207, dá o Preste João como filho de Repanse de Schoye e de Feirefis, o meio-irmão de Parcival. A mãe de Feirefis seria Belacane, uma rainha negra da África ou da Índia.
 
Por volta do fim do século XIV o reino do Preste João passara a ser mais identificado com a África, com a Etiópia em particular, do que com a Ásia. Um século antes, Marco Polo completara suas viagens pela Ásia e feito referências à sua própria procura do Preste João, que identificou com um dos Cãs das estepes da Mongólia, muitos dos quais eram cristãos maniqueus ou nestorianos.
 
Um cartógrafo genovês, Giovanni de Carignano, que trabalhava na feitura de mapas no período entre 1291 e 1329, foi a primeira autoridade a afirmar que o reino do Preste João era na África e não na Índia, como às vezes se pressupunha.
 
Entre todos os países e povos que foram acometidos pela febre da procura do Preste João, foi Portugal, o líder europeu em tecnologia marítima nas viagens de descobrimento, que também liderou a procura pelo reino cristão da harmonia e da paz.
 
A rainha Filipa, a esposa inglesa de D. João I de Portugal, organizou a primeira expedição militar a fim de criar uma rota terrestre até ao país do Preste João. Em agosto de 1415, uma pequena força de 45.000 homens zarpou de Lisboa sob o comando de Duarte, Pedro e Henrique, 3 dos 5 filhos de João e Filipa. Eles conquistaram o porto de Ceuta no reino de Fez na Costa de África. Mas esta conquista só provou aos portugueses que não havia possibilidade de abrir uma rota terrestre através da África que levasse ao Preste João. A vastidão do deserto do Saara e a ferocidade dos mouros devem ter mostrado a impossibilidade de se tentar alcançar a parte mais oriental da África. Se devia existir um caminho, haveria de ser por mar, contornando a África.
 
O filho de Filipa, Henrique, mais tarde conhecido como Henrique, o Navegador, fez da tarefa de encontrar uma rota marítima para o Preste João a sua missão de vida. Nascido em 1394, a maior ambição de Henrique era "ter conhecimento da terra do Preste João". Com 18 anos, Henrique foi aceito como grão-mestre da Ordem de Cristo.
 
Quando do pedido de D. Diniz de Portugal (1279-1325) para, no século anterior, estabelecer a Ordem de Cristo, o Papa João XXII impôs a seus cavaleiros a regra de São Benedito e a constituição de Cister. O próprio príncipe Henrique a elas se sujeitou inteiramente, de corpo, alma e espírito. Adotou o celibato e viveu uma vida muito austera sem confortos físicos, adotando mesmo camisa de crina e cama de pedras. Todo o seu ser estava voltado para o serviço do espírito.
 
Para fazer aquilo que mais tarde viria a ser conhecido como "As viagens dos descobrimentos", Henrique não só teve de desenhar novos barcos que pudessem virar de bordo contra o vento, mas também teve que inventar a navegação. Foi através da Ordem de Cristo que as viagens dos descobrimentos se tornaram possíveis, mas o que era esta Ordem de Cristo?
 
Instigado por Filipe, o Belo, de França (1285-1314), o Papa Clemente V dissolveu a Ordem dos Cavaleiros do Templo em 22 de março de 1312. Uma ordem de dissolução foi despachada por toda a Europa e a imensa fortuna dos Templários foi confiscada. Muito desta fortuna foi abocanhada por reis e nobres e, em particular, por Filipe, o Belo. O pouco que restou em possessões foi transferido aos Hospitaleiros.
 
O rei D. Diniz de Portugal era um protetor secreto dos Cavaleiros do Templo; assim, quando recebeu a ordem de dissolução vinda do Papa, escondeu os cavaleiros e simulou o confisco de suas propriedades. Depois de relatar ao Papa a execução de suas ordens, pediu-lhe que gostaria de formar sua própria Ordem para proteger os interesses da Igreja (e os seus próprios), bem como criar uma força militar para lutar contra os mouros. Entretanto, tanto Filipe, o Belo, quanto Clemente V morreram e o Papa João XXII estava agora na Cadeira de São Pedro. Este pedido foi garantido. D. Diniz chamou de volta os Templários, investiu-os com a nova Ordem de Cristo e devolveu-lhes as propriedades. Desta forma, a Ordem de Cristo foi a continuação da Ordem dos Templários. A designação completa para os Templários era: Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo do Templo de Salomão. Agora eles já não defendiam Jerusalém a partir de seu posto no Templo, nem tampouco eram pobres, razão pela qual D. Diniz os denominou apenas de A Ordem de Cristo. Do alto de suas atividades, os Templários tinham cerca 3.000 depósitos ou bancos entre Londres e Jerusalém.
 
Inspirado a procurar o reino do Preste João, onde dizia-se haver uma nova Cristandade, fundada sobre a solidariedade universal e baseada no Evangelho de São João, Henrique, o Navegador, pôs a seu serviço a fortuna da Ordem de Cristo, financiamento com ela o seu plano. Mais tarde tornou-se necessário que as viagens de descobrimento se tornassem auto-sustentáveis e isto foi alcançado através do desenvolvimento do comércio com a África e a Índia.
 
No começo de seu trabalho, Henrique estabeleceu um centro de pesquisa num promontório conhecido como Cabo Sagres, no sudoeste de Portugal. Foi ali que construiu uma pequena vila. Aqui levou uma vida ascética, estudando os trabalhos de geógrafos de todas as partes do mundo, encontrando-se e conferenciando também com todo o tipo de viajantes, juntando, sempre que podia, informações úteis no âmbito da ciência, da astronomia, da matemática, da construção naval e, particularmente, acerca da forma do mundo e do Atlântico Ocidental. Em Sagres, Henrique desenvolveu uma escola de navegação e de preparação de marinheiros, direcionada para o que deveriam encontrar em suas viagens. Nesses tempos, acreditava-se, geralmente, que se um barco navegasse para muito longe em direção sul ou oeste, navegaria para fora das fronteiras do mundo. Em posição similar encontra-se, hoje, o pensamento materialista em sua aderência a uma visão cartesiana de mundo.
 
O Dr. Georg Unger da Geral Sociedade Antroposófica de Dornach, Suíça, trabalhou com astronautas americanos no começo dos anos 60, a fim de prepará-los mentalmente para enfrentar as até então desconhecidas condições do espaço. Sua tarefa era preparar os astronautas a serem capazes de controlar os processos do pensamento num ambiente onde não havia luz, som ou gravidade. A resposta involuntária normal a tais condições é a inconsciência. Unger desenvolveu exercícios de meditação, a partir do trabalho de Rudolf Steiner, os quais efetivamente combateram estas condições. Henrique, o Navegador, teve uma tarefa semelhante no preparo dos marinheiros de sua época, para superar o medo e para desenvolver confiança. Passar um ano ou dois numa nau com o tamanho aproximado de um rebocador, exigia coragem e força de alma, difíceis de avaliar no mundo hodierno de petroleiros gigantes e aviões a jato.
 
Sagres era, em certo sentido, uma escola iniciática, e também de pesquisa, bem como de desenvolvimento e de educação científica. Foi sobre estes fundamentos que as viagens dos descobrimentos haveriam de começar. Infelizmente há pouca coisa conhecida acerca das pesquisas feitas e dos métodos empregados por Henrique, devido às medidas de segurança reforçada em torno de seu trabalho. Transgressões eram punidas com a morte.
 
Henrique não haveria de ver a realização completa de seu trabalho, porque morreu em 1460, tendo, todavia, completado tudo o que era necessário para a próxima etapa do desenvolvimento da consciência européia, ou seja. a abertura da Europa para o mundo inteiro. No decorrer do século seguinte, primeiro navios portugueses, depois outros, circunavegaram a terra.
 
O plano de Henrique era achar o reino de Preste João e, assim, promover uma renovação na Cristandade européia, conquistar os mouros e estabelecer a harmonia entre os povos. Para nossa tristeza, a nova Cristandade ainda não haveria de ser encontrada. A consciência européia era por demais imatura para o desenvolvimento aberto por Henrique, o Navegador. Em vez de seguir os impulsos espirituais e, simultaneamente, adquirir uma nova consciência como presente a ser oferecido ao novo mundo, os navegadores europeus arrebataram-no e saquearam-no. Cortez foi o primeiro dos europeus responsáveis pela conquista do mundo do modo mais brutal e selvagem possível. Glorificada por muitos como a época das grandes conquistas da Europa, seu fim só chegou com a quase total exterminação dos índios peles-vermelhas americanos e dos aborígines da Austrália no século XIX.
 
A África do Sul haveria de ser um dos poucos lugares na terra, em que a colonização por europeus foi feita sem massacres em massa.
 
Bartolomeu Dias foi o primeiro a contornar o Cabo da África em 1488. Tão grande foi a tempestade que o atingiu dentro de seu pequeno barco, no Cabo, que ele foi arrastado em torno dele sem o perceber. Quando a tempestade amainou, descobriu, para sua grande alegria, que de fato o havia ultrapassado. Dias não navegou muito mais adiante, seguindo a costa africana; depois de passar pela baía Algoa, retornou e seguiu para casa. Dias e os seus homens haveriam de ver em sua viagem de volta a portentosa cabeça de rocha a que eles chamaram de Cabo das Tormentas. Depois de seu regresso a Portugal, o rei D. João II renomeou-o para Cabo da Boa Esperança, em reconhecimento do poder da esperança mostrada pelos marinheiros na superação da tempestade e da tormenta. Nove anos haveriam de passar antes da próxima viagem, que deveria levar Vasco da Gama a ultrapassar o Cabo e a ir à Índia.
 
A partida marítima de Vasco da Gama, em Portugal no dia 8 de julho de 1497, foi precedida por rituais cristãos, durante os quais o rei D. Manuel, que assumiu o trono depois da morte de D. João II, investiu Vasco da Gama da missão de descobrir o reino do Preste João e a rota para a Índia. Esta viagem estava sob os auspícios da Ordem de Cristo. Durante a cerimônia, foi dado a Vasco da Gama uma bandeira de seda da Ordem e uma cruz vermelha de oito pontas sobre um fundo branco. Da Gama ocupou ele mesmo uma posição de comando na Ordem de Cristo.
 
Os retratos que dele temos mostram-no com a cruz da ordem no peito. Da Gama jurou então ao rei que, uma vez desfraldada, a bandeira nunca mais seria enrolada e seria carregada adiante e avante para qualquer que fosse o reino ou o país a que viessem a aportar em suas viagens. Os outros oficiais e capitães, incluindo o irmão de Vasco, Paulo da Gama, fizeram o mesmo juramento.
 
Ao nascer do sol em 8 de julho, a caravela da bandeira, São Gabriel, comandada por Vasco da Gama e seguida pela São Rafael, por Berrio e por uma nau com mantimentos, fizeram-se à vela em direção às costas orientais da África e à Índia. Henrique, o Navegador, esperava que, com a abertura da rota para a Índia, o comércio se desenvolvesse e, assim, financiasse as futuras passagens de acesso a Preste João. Enviou cartas que confirmavam o status de embaixador do próprio da Gama, além de cartas pessoais a Preste João e ao rei da Índia. A importância desta viagem foi a de ter inspirado o poeta português, Luís de Camões, a escrever a história desta e das outras viagens que se sucederam em sua obra clássica, Os lusíadas. Vasco da Gama, como Bartolomeu Dias antes dele, experimentaram as mais terríveis tempestades do Cabo. Camões descreve-as em seu poema no encontro com Adamastor, o espírito pressago do Cabo. Gigante no tamanho e muito temível de ser visto, Adamastor promete aos marinheiros a morte, se eles ousarem passar o seu limiar. Esta ameaça ou maldição provaram ser verdade para a grande maioria dos primeiros marinheiros que contornaram o Cabo; Vasco da Gama perdeu seu irmão de doença e, mais tarde, o filho em luta pelo rei da Etiópia. Vasco da Gama alcançou a Índia, mas não conseguiu completar a tarefa de encontrar o Preste João.
 
No mesmo ano da passagem do Cabo por Bartolomeu Dias, o rei D. João II despachou por terra, para o reino do Preste João, Pero da Covilhã e Afonso de Paiva na qualidade de embaixadores. Dirigiram-se estes primeiro ao Cairo, via Nápoles e Rodes. Disfarçados de mercadores, viajaram para sul, para Aden onde se separaram, tendo combinado encontrar-se de novo no Cairo. Dois anos mais tarde Pero da Covilhã voltou ao Cairo para descobrir que Afonso de Paiva tinha chegado algum tempo antes e tinha morrido de uma doença, sem ter revelado o sucesso ou o fracasso de sua busca. Covilhã encontrou-se então com 2 judeus portugueses, enviados pelo rei D. João para achá-lo e a Paiva. Sabendo, agora, que não poderia retornar a Portugal sem tentar alcançar o Preste João, viajou com um dos judeus, Rabbi Abraham, até Ormuz. Depois de outras viagens, arribou eventualmente à corte do rei Eskender da Etiópia. Covilhã foi bem recebido e bem cuidado pelo "Preste João", mas descobriu, como Marco Polo alguns séculos antes, que havia poucas semelhanças com o Preste João das lendas, não obstante o esplendor da corte de Eskender. Não foi permitido a Covilhã deixar a corte e, quando Francisco Álvares chegou como parte da embaixada de Rodrigo de Lima em 1520, Covilhã ainda lá estava, agora casado com uma esposa etíope com família própria. Covilhã haveria de morrer alguns anos mais tarde, sem saber o que tinha sido feito de sua esposa em Lisboa e do filho que ela carregava 30 anos atrás.
 
Foi o padre Francisco Alves quem escreveu a notícia completa do reino do Preste João. Por este tempo a Europa tinha decidido que os imperadores etíopes eram os Prestes Joões tão procurados. Os reis etíopes por sua vez não se importavam ,e muitos chegaram mesmo a assinar suas cartas com "Preste João".
 
A Etiópia tinha adotado o Cristianismo no século IV. O primeiro bispo foi Frumentius, um homem não da Etiópia mas de Tyre no Oriente Próximo. Os etíopes chamavam a seu líder espiritual "Abba Salama" (pai da pez).
 
O comércio e o contato entre a Europa e a Etiópia eram difíceis por causa da distância e da hostilidade dos povos vizinhos, mas mesmo assim tinha havido contato e comércio nos séculos que precederam a chegada dos portugueses. Há um registro nos arquivos de Goa, datados de 1130, de um grupo de 30 etíopes que tinham ido à Europa em missão diplomática e estavam na época retornando a casa, via Goa.
 
De natureza essencialmente copta, os etíopes retiveram o seu cristianismo sem cisma até tempos recentes. Agora, sob a ameaça de hostilização contínua por parte dos fundamentalistas islâmicos, o futuro da Etiópia tornou-se de novo incerto.
 
Durante as últimas 3 décadas temos visto um estado africano cristão tombar após outro diante do Islã. Este fenômeno não está restrito à África. Na Inglaterra, na Alemanha e em outros países europeus vemos igrejas vazias, que outrora foram ativas, serem convertidas em mesquitas por causa da expansão do Islã. Neste mesmo período, testemunhamos o ressurgimento do interesse pelas lendas do Graal, dos Cavaleiros Templários e também pelo Preste João. Esta procura pelo cristianismo esotérico foi desencadeada por um grupo de teólogos em torno do pastor luterano Dr. Friederich Rittelmeyer. Com as sugestões e ajuda do Dr. Rudolf Steiner, o Movimento do Renascer Religioso foi fundado. Hoje com o nome de Comunidade Cristã, a Igreja cresceu e está ativa na maioria dos países europeus e americanos. Na África do Sul, existem agora 5 centros onde a Comunidade Cristã trabalha. Isto é apenas um exemplo da necessidade e da procura pelo "novo" cristianismo. A ortodoxia cristã parece incapaz de sintonizar-se com o desafio desta época ou de combater o materialismo científico ou de fazer expandir efetiva solidariedade cristã. O evangelho cósmico de Cristo abriu o caminho ao homem social e simples que foi Jesus de Nazaré. Não admira que a teologia da libertação, que defende a revolução violenta, tenha conhecido uma tão firme aceitação, em particular no terceiro mundo, mas também no primeiro. O novo cristianismo é identificado com o que é referido pelos teólogos como o cristianismo joanino.
 
Visto por alguns como o terceiro desenvolvimento do cristianismo, o joanino segue o cristianismo de Pedro e de Paulo. O cristianismo joanino é tido como um estado humano de consciência em que cada indivíduo deve experimentar, como se fosse seu próprio, o sofrimento de seu próximo. Serve para desenvolver a empatia até o ponto em que a alma humana consegue alcançar e carregar o sofrimento do outro, a fim de aliviar-lhe a dor.
 
A simpatia é precursora da empatia e foi (e ainda é) o trabalho do cristianismo paulino - desenvolver a experiência da simpatia através da prática da exortação, sem o ritual da Igreja de Pedro. Empatia, de outro lado, é a real experiência dos sofrimentos do outro como se fossem próprios.
 
Cristianismo, contudo, é cristianismo. Sua aparente divisão em 3 tipos constitui apenas divisões em estágios de consciência. Os estágios de consciência por si só não apresentam vantagem espiritual alguma. É tão fácil cometer pecado para o cristão joanino quanto para o cristão do cristianismo de Pedro.
 
Os precursores do cristianismo de João foram os rosacruzes, um grupo secreto de cristãos esotéricos (secreto porque não desejavam ser queimados na fogueira), que se desenvolveu na Europa, quase em paralelo com o desenvolvimento do cristianismo paulino através de Lutero e de Calvino.
 
Na nossa época podemos expor (pelo menos no mundo ocidental) nossas crenças. A grande massa de material que apareceu nas bibliotecas e livrarias nas 3 décadas passadas, parte dele puro diletantismo, outra parte de grande valia, baseada em verdades esotéricas, evidencia não propriamente um novo acordar para as realidades espirituais, mas uma nova consciência da espécie humana. As viagens dos descobrimentos no plano físico, inauguradas por Henrique, o Navegador, estão sendo substituídas por viagens espirituais de descoberta. Assim como Henrique teve que descobrir a navegação, que possui suas próprias regras e leis, sem as quais os marinheiros nunca teriam embarcado em suas viagens, da mesma forma, em nosso tempo, é necessário descobrir as regras e as leis pertinentes ao mundo espiritual. Neste século foram os cientistas espirituais, como Rudolf Steiner, que descobriram essas regras e leis que deverão possibilitar agora as viagens de descobrimento espiritual.
 
A África do Sul foi descoberta por aqueles en route para o Preste João, os Cavaleiros Templários com um novo nome, financiados pelo poder templário. A Ordem de Cristo, com sua vitória sobre a tempestade e a tormenta, crismou o Cabo como Cabo da Boa Esperança. Depois, no dia de Natal de 1497, crismaram a terra encontrada nesse dia, Natal (o lugar do nascimento).
 
O reino do Preste João ainda não foi encontrado e talvez nem seja achado na terra, mas pode ser que ainda possa ser alcançado por aqueles que podem desenvolver a força espiritual, a visão espiritual, para ver o reino do Preste João, e trazer de volta as dádivas espirituais capazes de fazer a espécie humana dar o próximo passo rumo à casa do espírito.
 
Não há dúvida que o reino do Preste João existe, mas o caminho para ele ainda está sendo procurado.
 
Com as novas leis para a navegação espiritual, agora à disposição daqueles que desejam fazer a viagem, talvez não tenhamos que esperar muito até que os reais tesouros do reino do Preste João possam ser repartidos.
 
 
1- Preste seria a transcrição da pronúncia distorcida da palavra "priest" que, em inglês, significa padre (Nota da tradutora).