Antroposofia e a missão dos povos

Palestra do Dr. Peter Guttenhöfer
- A Rússia e a áfrica
Estudos da Formação da Alma dos Povos


Realizada em 03 de Fevereiro de 2.002
Traduzida pela Professora Bárbara Trommer

Dr. Peter: Boa Tarde.  Muito obrigado pelo convite do grupo.   
 
Ute me falou sobre o significado e sobre o objetivo deste grupo e eu acho muito interessante o que é trabalhado conjuntamente aqui.
 
O pedido que me foi feito é que eu fale um pouco sobre a Rússia e sobre a África. Devo dizer que isto é impossível, pois não conheço a Rússia, conheço apenas São Petersburgo e os russos dizem que São Petersburgo não é a Rússia. Consegui entender um pouco isto. Toca-se nessa região apenas na superfície da Rússia. E a África do Sul também não é a África. É um país específico com uma história pavorosa e não penso que neste caso se possa generalizar dizendo que, ao se falar nesse país, se está falando da África, pois a África é muito grande, quatro vezes maior que o Brasil.
 
Vou começar falando um pouco da Rússia. Na Rússia me preocupei com a pintura que representa paisagens, porque um amigo russo havia me dito que essa representação de paisagens pela arte russa é muito mais significativa que essa mesma arte na França, na Alemanha e na Holanda. Sendo eu um acadêmico em Análise Histórica da Arte, senti como uma afronta alguém dizer que esta arte russa era muito mais significativa. Então notei algo em comum e que chamava a atenção em muitas dessas paisagens que vi. Vou simplificar essa descrição: nessas paisagens eu via que embaixo havia uma escuridão, o céu escuro cercado por árvores ou algo que o sombreasse e entre esses dois espaços, a luz. Por exemplo, em uma paisagem de uma situação dentro de uma floresta, as copas das árvores fechando tudo e o solo da floresta com algumas manchas de luz. Ou então, uma paisagem em geral escura e dentro dessa paisagem, uma casinha de camponeses que estava como que iluminada de dentro para fora. Nota-se que havia um toque de irracionalidade dentro de uma representação absolutamente naturalista e racional. Só percebi isto porque eu tinha lido algo de Rudolf Steiner, onde ele menciona a concepção do povo russo em relação à luz.
 
 Isto me acontece com uma certa freqüência, que uma coisa dita por Rudolf Steiner seja um ponto de partida para a minha percepção sensória, abrindo os meus órgãos dos sentidos. Ele menciona que o russo vivencia a luz como se ela brotasse de dentro da Terra. O Sol penetra na Terra e depois volta e penetra no homem russo através dos seus pés e é dessa forma que o russo vivencia essa luz. Esta é uma constatação que ao ser lida nem sempre é compreendida. E eu sempre me perguntava: de onde Rudolf Steiner sabe isto, ele nunca esteve na Rússia? E ele também nunca viu uma pintura, uma representação artística de uma paisagem russa. Surgiu em mim à impressão que eu estava vendo esta afirmação de Rudolf Steiner através das paisagens russas, a luz que surgia da Terra!
 
Nos anos setenta pude fazer duas viagens à Rússia, e nessa época também tentei andar o máximo possível a pé pela Rússia, dentro de sua paisagem. De um lado tive a impressão que a paisagem era de uma certa forma tediosa, monótona, dois mil quilômetros de floresta de bétula. Com o tempo comecei a perceber que havia alguma coisa nessa paisagem que chamava a minha atenção, mas eu não conseguia saber o que era. E em um determinado momento, meu amigo e eu, encontramos um morro de aproximadamente oito metros de altura. Nessa paisagem onde tudo era plano, esse morro nos pareceu como uma montanha. Escalamos essa montanha e então olhamos em volta e percebemos que nessa planície russa, não existe a possibilidade de se ver a linha do horizonte. Como linha do horizonte entendemos que quando olhamos à distância, em algum lugar encontramos o fecho dessa paisagem; ou então, caminhando entre duas montanhas, gradativamente vamos sentindo como se elas fossem mudando de posição. Então, olhando para o horizonte, principalmente quando ele apresenta certas estruturas, a gente consegue ter a consciência de onde se encontra nesse momento. Viajando-se no mar, por exemplo, pode-se viajar cem quilômetros e é sempre a mesma coisa e também não é possível se saber onde estamos. Tem-se somente uma sensação, a de estar no meio, sempre no centro. É assim também nessa paisagem plana da Rússia, não dá para saber onde se está, só se sabe que se está no centro. Podemos viajar mil quilômetros e sempre estaremos no meio. É uma forma mais ou menos simplificada de se explicar isto, mas é mais ou menos assim.
 
Isto significa que, nesse local, as pessoas não estão acordadas para a estruturação do espaço, pois o espaço tridimensional praticamente não existe. Como europeu originário da Europa Central, quando confrontado com essa situação e analisando a nossa própria situação, fica claro que essa consciência e essa autoconsciência que temos, essa sensação de nós mesmos se apóia nessa capacidade de sempre saber onde estamos. Na floresta também não sabemos onde estamos. Por esta razão o europeu não suporta a floresta. Tem que tirar o mato, e isto é uma coisa meio arriscada.
 
Acrescentando-se algo mais sobre a Rússia, lá nós encontramos os ícones. E o que é um ícone? São pinturas representativas de imagens cristãs, santos, Cristo e Maria. Um dos ícones mais sagrados é o de Maria com o menino Jesus, que foi pintado no século nove.
 
O ícone é entendido pelo homem cristão russo como uma janela. Não é você, o ser humano, que olha pela janela, mas você é visto por aquilo que está por detrás da janela. Os seres do mundo espiritual estão contemplando você quando você está diante do ícone. O ícone central, o mais venerado de uma igreja, sempre se encontra em cima de um tablado inclinado. Este ícone não está ai para ser olhado, mas sim para ser beijado. No momento que nos inclinamos para beijar, não vemos nada. Portanto o ícone é bi-dimensional porque a Igreja Ortodoxa Cristã Russa proibiu que fossem feitas representações daquilo que é sagrado numa dimensão tridimensional. Seria considerada uma coisa absolutamente condenável representar o Cristo de uma forma tridimensional e colocá-lo dentro do espaço.
 
Precisamos entender essa idéia: aquilo que é espiritual não pode ser visto dentro do espaço físico. Percebi então que a paisagem da Rússia é vista pelo povo russo da mesma forma que ele olha para o ícone. Criei uma expressão para isto: é o “olhar icônico”.
 
Após dez anos de viagens para a Rússia, ficou claro para mim que o homem russo olha para o mundo, para as coisas com este “olhar icônico”. Por exemplo, essas pinturas das paisagens russas, que de um lado são altamente naturalistas, chegam a parecer fotografias, quando são olhadas atentamente por nós, e elas são muito grandes; algumas chegam a ter quatro metros de largura. Nessas paisagens é como se, a partir de um núcleo interno, misterioso, que existe dentro dessas paisagens, a luz como que brota.
 
Pergunta: Quando se pensa nisto pode-se imaginar o efeito desastroso ou deturpador que teve a arte realista do socialismo, porque nessa arte tudo é super tridimensional, até mesmo as pinturas parece que são esculturas. Mais esculturas que pinturas. E foram proibidas, os ícones e as pinturas das paisagens, eu não sei como isto aconteceu, mas deve ter sido uma violência muito grande.
 
Dr. Peter: Para os russos, a pintura que representa objetos é para eles a arte abstrata. E aquilo que nós na escola aprendemos como sendo a arte abstrata é para eles a arte concreta, porque para eles a nossa arte abstrata é um louco campo de exercícios para o “olhar icônico”. Temos que considerar Kandinski como bidimensional. E o homem europeu olha para as obras desse pintor e diz serem abstratas. Vocês estão entendendo, eu inverti os conceitos agora; para o russo é uma abstração imaginar uma fonte de luz e um objeto, e de uma forma matemática relacionar a luz e o objeto. Isto para ele é uma abstração. Concreto para ele é que os objetos têm uma luz própria e essa luz vem da Terra, porque ela brilha, ela emite luz. A luz não a ilumina, mas ela própria produz luz. Podemos reconhecer nessa atitude um impulso profundamente maniqueísta (maniqueico).
 
Podemos ver o ressurgimento da antiga sabedoria de Zaratustra. É claro que a Terra não está emitindo essa luz, mas ela pode produzir essa luz quando ela é amada pelo homem. O sentimento do pintor em relação a essa paisagem é o amor, e o russo denomina a sua pátria, a sua terra, de mãe. O russo não tem patriotismo, mas sim matriotismo, e essa palavra não existe em nossa língua porque os romanos que criaram a palavra patriotismo – de pater (pai) - não conheciam essa relação com a Terra. O impulso romano que dominou a Europa sempre delimitou a influência russa eslava empurrando-a de certa forma para o Leste.
 
Pergunta: Eu queria que você falasse uma frase sobre o maniqueísmo, porque aqui no Brasil temos uma concepção um pouco estranha.
 
Dr. Peter: Vou fazer um pequeno desvio para poder chegar à resposta a esta pergunta. O Cristianismo Romano proibiu que os evangelhos fossem traduzidos para dentro da linguagem do povo, tinha obrigatoriamente que ser em latim, e isto até o século passado. Havia então uma linguagem do povo e uma linguagem por assim dizer, espiritual. Ou melhor, que deveria ser uma linguagem espiritual. Os povos eslavos desde o início propagaram os evangelhos nas línguas dos vários povos. Os dois grandes propagadores dos evangelhos no âmbito eslavo, Chyrilos e Metodo desenvolveram uma linguagem própria, e inclusive uma escrita para conseguir propagá-los entre os povos. Por um milênio e meio houve grandes embates e grandes conflitos em relação a isso na Europa. O fato de a Rússia estar como que excluída, separada da Europa, foi conseqüência desse conflito e desse impulso do Império Romano. Desde o início foi sentido que no povo eslavo não existe um dualismo entre aquilo que vive no povo e aquilo que é espiritual. Para eles sempre houve uma união entre esses dois aspectos. O espiritual e o terreno se interpenetram. A Terra para eles é como se fosse um ventre materno, um ser vivo, que o camponês russo chama de cristã. A palavra em russo é cristiani, e serve tanto para designar camponês, que trabalha a terra, como para designar cristão. E a palavra Mir, significa ao mesmo tempo mundo e paz. Podemos ter então um pequeno vislumbre de que o físico e o espiritual, na verdade, são as duas faces da mesma coisa, são duas formas diferentes de se olhar o uno. Teoricamente nós até conseguimos pensar nisso, mas não realmente vivenciar isso dentro de nós. A velha religião de Zaratustra trouxe um impulso decisivo cultural de resgatar essa Terra que estava cada vez mais mergulhando na escuridão, resgatá-la através do trabalho no campo, do trabalho na terra.
 
Existem no mundo da criação, seres espirituais escuros que almejam transformar tudo em matéria escura, e outros seres espirituais que querem permear isto de luz, e quando o camponês ara a sua terra ele está trabalhando conjuntamente com os seres espirituais da luz. Isto significa que precisamos abrir a terra e fazer com que a luz entre nessa terra. Isto significa arar. O homem quando se alimenta do trigo amadurecido através desse pão, está de uma certa forma assimilando a luz que veio através da terra. Isto seria uma forma, de através de imagens, explicar o que significa esse impulso maniqueico.
 
Um último exemplo; na linguagem russa não é possível dizer ‘eu possuo 50 euros’ ou então, ‘eu tenho um rubro’. Só é possível dizer ‘o rubro está comigo’. Isto na sintaxe da língua. Isto significa que o sujeito é o rubro, e eu sou objeto do rubro. Numa linguagem ocidental, o sujeito sou eu, e o objeto é o rubro. Imaginem então um sistema econômico moldado segundo a visão ocidental dentro de um povo que não é capaz de dizer ‘eu tenho um rubro’. Vocês percebem então em que direção isto está apontando. A alma russa não consegue efetivamente administrar uma conta bancária. Vendo uma conta bancária o russo diria: “Chegaram para mim 1.000 rubros. Não tenho muita certeza de onde veio isto e também não tenho muita certeza do tempo que eles vão permanecer comigo”.
 
Ai vemos a repetição do que falei no começo: o homem russo não consegue absorver esse mundo dos objetos da mesma forma como nós o absorvemos. Trata-se de uma parte do mundo onde há esta profunda receptividade materna. São pessoas com uma grande capacidade de suportar sofrimentos.
 
Pergunta: Aconteceria o mesmo com o povo árabe? Eles também não possuem em sua língua o verbo ‘ter’.
 
Dr. Peter: Entre os árabes também é proibido cobrar juros. Como é que o mundo árabe pode concorrer na economia globalizada se eles não podem receber ou pagar juros? Várias línguas africanas também não possuem esse verbo ter, possuir.
 
Rudolf Steiner chama os russos de povo do Cristo, os alemães de povo do Eu e os ingleses de povo da Consciência. Nesse esforço de superar o físico talvez eles estejam preparando algo do futuro.
 
A grande pergunta para mim é qual deveria ser a cara da Antroposofia na Rússia? Os euritmistas também poderiam aprender alguma coisa na Rússia, a idéia de não ter um espaço no palco estruturado através da luz, e que não se tem uma linda estrutura tridimensional como é feita em Dornach. Educar o povo para que ele continue desenvolvendo esse olhar icônico! O etérico não tem a tridimensionalidade, o etérico é bidimensional. Isto na Rússia é possível e vivo.
 
Pergunta: É justamente na tridimensionalidade que a gente tem que se relacionar com a matéria para encarnar o espírito; não estou entendendo ainda esta relação da bidimensionalidade com o espiritual, como meta de encarnar realmente, de se ligar com a Terra.
 
Dr. Peter: A pergunta relacionada com isso é a seguinte: será que o homem russo deve se encarnar na Terra da mesma forma que o homem ocidental? Quem é que pode julgar isso? Uma encarnação assim é rápida, já passou. No ponto de vista russo a vida humana é feita de diversas encarnações. Essas encarnações estão embutidas em um período enorme. Um homem da Europa Central não tem nenhuma relação com a reencarnação; o que ele tem é este mundo atual, e isto ele defende solidamente. A inimizade existente, desde o início dos tempos, entre o cristianismo ortodoxo e o cristianismo de Roma, passa exatamente por essa questão da reencarnação e também pela forma de ver a vida.
 
Pergunta: O que o Senhor está trazendo vem de encontro com algumas coisas que nós concluímos com nosso estudo do índio.
 
Dr. Peter: Vivenciei em vários momentos de minha vida a Rússia e o Brasil bem próximos. Estive lá e vim para cá. Vivencio isto como se esses países fossem irmão e irmã, como se fosse uma situação de irmandade. O caótico aqui e na Rússia é uma coisa bastante similar, mas a partir de razões bem diferentes.
 
Ute: Agora o Dr. Peter vai fazer um grande pulo ao Hemisfério Sul!
 
Dr. Peter: Na primeira vez que fui para a África, naquela região ainda vi dois elefantes em liberdade. Os outros elefantes já viviam em uma espécie de reserva na qual os leões também viviam. Isto significa que os grandes animais já desapareceram. As pessoas que habitavam esses lugares também já desapareceram, principalmente aquelas que viviam mais na parte do Oeste da África. É uma região muito grande, equivale ao dobro da França, uma região semi-árida, meio desertificada. Vai em direção à Namíbia, Botswana, do deserto de Kalahari.
 
Nessa região antigamente habitavam muitas pessoas, era um povo chamado Sam, os ingleses os chamaram de “bushman”, os bosquímanos. Este era um termo pejorativo, eram aqueles que viviam na capoeira. Um inglês não mora na capoeira. Esses Sam’s eram pessoas muito especiais, maravilhosas. Hoje ainda existem aproximadamente mil pessoas dessa tribo. Eram mortos a tiros, caçados. Isto pode ser lido nos livros maravilhosos de Laurens van der Post. Hoje vemos aquela paisagem quase que totalmente desabitada, em toda a Namíbia vivem hoje dois milhões e meio de pessoas. Na minha cabeça eu sabia que era assim, mas quando vi isso na realidade me assustei muito, pois as pessoas que viviam nessas paisagens foram de certa forma eliminados por nós, europeus. O meu primeiro encontro com a África foi uma vivencia de sentir vergonha, pois pude ver a realidade que o homem europeu criou. Esse sofrimento indescritível como dizem algumas pessoas, paira sobre todo o continente africano.
 
No ano passado visitei um senhor que é um alto iniciado dos mistérios do Banto, que vive na África do Sul. Seu nome é Vusamazulu Credo Mutuu, tem aproximadamente oitenta e quatro anos, é quase cego, e nos anos sessenta tomou uma decisão, de que as bases espirituais da cultura africana precisam ser conhecidas e publicadas nas línguas mundiais, inglês, francês, alemão, etc, porque os últimos iniciados dessa cultura estão morrendo. Virão tempos nos quais nada mais se saberá das bases espirituais reais da África. Ele escreveu um livro chamado ‘Indaba My Children’, no qual conta toda a mitologia Banta, a história da criação, aquilo que nós conhecemos no Antigo Testamento, a criação dos animais, a criação dos homens, como animais e homens se desenvolvem conjuntamente. Os colegas dele, os bruxos, não gostaram de sua idéia e o ameaçaram de morte, porque lá também impera uma lei muito severa que diz que mistérios não podem ser revelados. Este iniciado também é um artista, fazia grandes esculturas que foram queimadas. Ele tinha muita consciência do fato de que de agora em diante era considerado um traidor, por revelar os mistérios de seu povo. A pergunta principal que ele tinha era a seguinte: fala-se que existem duas Áfricas, uma que é a África da escuridão, e outra que é a África da luz. Essa África escura é a que eu conheço através de leituras, de filmes e de relatos das guerras, das fomes, e de todos os desastres que aconteceram lá. Atualmente essa África escura está se manifestando de uma forma muito forte e está relacionada com o sentimento do medo. As pessoas sentem medo. De um lado tem-se o confronto com os grandes animais, o que é uma coisa muito forte e diferente de qualquer outro lugar, sendo a África o território dos grandes mamíferos. Os animais nesse caso representam apenas a manifestação exterior de algo que é muito mais amplo. A isto podemos chamar de mundo dos seres elementares. Expressando isto antroposoficamente, podemos dizer que isto é a manifestação de um mundo elementar no qual vivem e atuam os seres elementais. Esses seres elementais são como nós e também poderíamos ler naquilo que foi publicado através desse iniciado, seres terríveis, assustadores e inimigos dos homens. A vida dessas pessoas que vivem nessas regiões e não aqueles que já moram nas cidades, está completamente preenchida em criar e praticar rituais para fazer as pazes com esses seres elementais. Este é um trabalho constante para conseguir uma espécie de equilíbrio, para se conseguir viver com esses seres elementais. Isto preenche completamente a vida anímica dessas pessoas. Podemos imaginar, por exemplo, um europeu que chega a uma aldeia na África, e à noite ele resolve sair de sua casa com uma lanterna. Ai, uma pessoa se precipita de uma casa vizinha e bate nessa lanterna e faz com que ela caia no chão e diz: ‘Aqui agora reina a escuridão, você não pode iluminar nada aqui’. Outra pessoa resolve que vai tirar uma fotografia à beira de um rio. Quando ele está na eminência de tirar a sua foto, vem alguém e arranca a máquina de sua mão, e muito bravo diz: ‘Você não pode fotografar isto aqui agora’. Eles não voltarão jamais a esse lugar se você tirar essa foto.
 
Existem muitos relatos de missionários dizendo: ‘os nossos povos precisam gradativamente se emancipar dessa vida tão próxima e tão inter-relacionada com esses seres da natureza’. Mas esses missionários cristãos europeus não souberam contar nada do Cristo verdadeiro, pois só há a possibilidade de uma gradativa soltura do homem desse mundo dos seres elementais, quando ele dirigir o seu olhar interno em direção ao Cristo.
 
Dentro dessas camadas africanas, existe ainda uma camada que é a camada da luz. Esse iniciado dizia que os sacerdotes tinham como tarefa cuidar dessa luz. Isso significaria na verdade, a educação do ser humano. Então esses sacerdotes tinham a função de transformar todos esses rituais que estavam direcionados a pacificar os seres elementais, de forma a não só cultivar a luz, mas também gerar luz. Esse trabalho sempre foi considerado na África como a corrente Crística, relacionada ao Cristo. O iniciado afirma que a África desde seus primórdios sempre foi cristã, não católica, nem protestante, nem calvinista, mas cristã.
 
Acontece que a missão cristã européia só trouxe uma abstração do verdadeiro Cristo para a África. Mataram os médicos magos, a vida ritualística foi declarada como algo do demônio. Hoje a África de certa forma, se encontra entregue a esses seres da natureza, que se tornaram maus porque não se praticam mais aqueles rituais que ajudavam a essa convivência e a esse trabalho de pacificação.
 
Além disso, os europeus mataram todos os grande mamíferos...
 
Quero colocar uma pergunta: onde ficou aquela grande potência espiritual que se expressou através desses animais? Poderíamos de certa forma dizer que toda essa grande astralidade que existia dentro dessa potência, se posicionou dentro das almas dos homens, produzindo hoje essas coisas terríveis que vemos acontecer na África, dentro desse nível da África escura. Esse iniciado estava sentado e envolto em uma grande pele de animal que cobria suas costas, cruzada na frente e disse: ‘Nenhum homem deveria ter a permissão de falar sobre essas coisas sem que ele se envolvesse com uma pele animal. Porque esse homem deveria sentir e de certa forma, se colocar na situação do animal, para ter o direito de poder falar pelos animais’.
 
Esse é um homem que conhece a filosofia européia muito bem, ele leu muito de Rudolf Steiner. Pelo fato de todos os sacerdotes terem sido de certa forma eliminados, esse trabalho de transformação do escuro para dentro da geração da luz não pode ser continuado. E também pelo fato de ele saber que era o último dos iniciados, tomou a decisão de anotar, escrever e publicar todos esses conteúdos para que alguns brancos tomassem conhecimento disso, ou seja, soubessem o que está acontecendo na África. Essa corrente cristã que permeia a África está relacionada com a Etiópia. No Norte da Etiópia, em uma cidade chamada Lalibela é que se encontra o verdadeiro centro de irradiação desse impulso crístico na África. É a cultura cristã mais antiga em todos os sentidos. Existe então uma relação entre os mistérios cristãos de Lalibela com os mistérios do Graal. Do Oeste da Europa (França e Espanha), desde a Irlanda até o Zimbábue, na África, existe uma corrente crística que atravessa toda essa região. Lá já vive há milênios a sabedoria a respeito da Divina Trindade, e principalmente o conhecimento a respeito do Filho está profundamente ancorado nas almas africanas. A expressão "O Filho de Deus" está presente não só na África, mas também em outras culturas, e não está limitada apenas à figura de Jesus. Isto está relacionado a aquela história do Prestes João, que é o filho de Feiferis que saiu da Europa e se dirigiu para o Oriente. Para todo o Leste africano este iniciado diz assim: "Esta corrente crística é ligada ao Prestes João". Na África houve um grande período de migração para o Sul, pois o povo que ai habitava era originário da parte Central, mais para o Leste. E a palavra Banto, como eles se denominam, é sinônimo de homem, de ser humano. Existe uma transmutação fonética, e as palavras Ban e Man têm a mesma origem.
 
Pergunta: O impulso crístico do Prestes João ficou isolado? Porque ele não permeou os sacerdotes?
 
Dr. Peter: Na verdade, esses sacerdotes apreenderam esse impulso do Prestes João que foi uma corrente que permeou toda a África do Leste. Esta corrente mística foi destruída pelos missionários europeus. Assim também na Europa essa corrente foi destruída pelos sacerdotes que vieram de Roma. Os portugueses, quando conseguiram passar pelo Cabo da Boa Esperança e chegarem à Costa Leste da África, deram o nome de Natal a terra que ali encontraram porque chegaram lá no dia 25 de dezembro. Levantaram uma grande cruz na Costa e os sacerdotes negros que viviam lá, receberam esses portugueses de braços abertos, como irmãos, porque disseram: “Eles também conhecem aquilo que nós sabemos, principalmente o sinal de cruz”. Esse iniciado disse que o sinal da cruz é um símbolo que existe na África desde os seus primórdios, por isso eles não fizeram nenhuma resistência aos brancos, que foi uma grande tragédia, porque os brancos que vinham da Europa não sabiam mais nada do Cristo. O que me impressiona é esta transformação produzida pelos cultos no escuro que reinava lá, em luz. Aquilo que conhecemos da transubstanciação do pão e do vinho, que o Prestes instaurou, sempre foi uma coisa africana, comentou o iniciado.
 
Pergunta: Como provar isto?
 
Dr. Peter: Para ter uma resposta, teríamos de perguntar ao Nelson Mandela, 27 anos em solitária na prisão, e depois ainda conseguir sair disso com o coração cheio de amor! Na minha opinião Nelson Mandela é uma das maiores personalidades do século. Isto é a verdadeira transubstanciação. Observei uma vez uma foto de Mandela, de quando ele era jovem, era um lutador de boxe e depois olhei para ele quando, aos setenta anos saiu da prisão; comparando Mandela com Klerk, o holandês, comparando fisicamente os dois, percebe-se que Mandela de certa forma conseguiu até superar certos traços raciais, ele superou até o físico. Conheço uma pessoa que conhece Mandela que me contou que muitas vezes acontece que alguém que aperta a sua mão ao cumprimentá-lo, sente uma necessidade de chorar. Eu quase choro só de pensar. Fui à ilha na qual Mandela ficou preso, visitei a cela de 2x2 m, na qual ele se manteve por doze anos. Dentro desta cela ele andava diariamente por volta de 20 quilômetros. Os prisioneiros que foram seus companheiros relataram que ele nunca se ocupou com ele mesmo, mas sempre estava preocupado com as outras pessoas. Ele escreveu uma autobiografia intitulada: "O Longo Caminho para a Liberdade".
 
Esse iniciado também falou que toda educação oferecida pelo Estado é uma coisa completamente morta. Ele também me deu um conselho: “Procure achar e ver a luz, não fique procurando pela África escura. E então, a partir desta luz, faça pedagogia. Mas não é para ser uma educação ligada a uma igreja dogmática católica, protestante, calvinista, etc.”. A Pedagogia Waldorf na África do Sul seria uma resposta, e também hospitais para os doentes com Aids. Ele é presidente de uma associação que constrói hospitais para aidéticos na África. A África do Sul é a região da África mais ameaçada pela Aids. Existe uma expectativa que nos próximos três anos, existirão três milhões e quinhentos mil crianças órfãs lá, só na África do Sul. Lá não existem nem orfanatos nem creches, os pais morrem e as crianças passam a morar na rua. Atualmente esta é a maior catástrofe que está acontecendo na humanidade, e os americanos ainda queriam fazer negócios em cima disso, vocês sabem, eles queriam direitos sobre a lei das patentes e não queriam permitir a produção dos medicamentos. Falando sobre este assunto, só nos resta uma nuvem de vergonha.
 
Ute: Acho que está na hora de agradecer em nome de todos.